sábado, 26 de junho de 2010

Dois andares abaixo do meu

Naquela tarde a conhecida de uma associação onde ela trabalhava como voluntária veio procurá-la, preocupada com seu sumiço. Ela então conseguiu se arrastar e sussurrar que não tinha forças para abrir a porta. Quando a porta caiu, e os fossos foram transpostos, descobriu-se que havia dois meses ela vivia no escuro, à luz de velas primeiro, nada depois. A energia elétrica tinha sido cortada por falta de pagamento. Há semanas ela não comia. Já não podia andar. A doutora estava morrendo de fome em meio a centenas de pessoas na cidade de milhões. Em sua própria sujeira.

Num prédio de classe média de São Paulo, ela estava mais isolada que qualquer ribeirinho dos confins da Amazônia. Não queria que descobrissem que havia perdido o controle da sua vida. E quando quis pedir ajuda, já não teve forças. Imagino quanto desespero sentia para conseguir romper as amarras de toda uma existência, se arrastar até a porta e admitir que não era mais capaz de abrir. Foi levada ao hospital, onde agora briga para viver.

Ela morava dois andares abaixo do meu. Quando eu soube, fiquei rememorando os últimos meses. Enquanto eu trabalhava, cozinhava, bebia vinho, tomava chimarrão, gargalhava, assistia a filmes, me emocionava com livros, me indignava com acontecimentos, conversava, namorava, sonhava, fazia planos, escrevia esta coluna e às vezes chorava, dois andares abaixo do meu, num espaço igual ao meu, uma mulher de 82 anos morria de fome nas trevas, em abissal solidão.

Texto de Eliane Brum  para a revista Época, pra ler o texto completo clique aqui

terça-feira, 22 de junho de 2010

... é mesmo preciso ter cuidado com o que se deseja. Geralmente, não no tempo em que a gente quer, mas no tempo próprio que as coisas têm pra acontecer, esses desejos acontecem. e por baixo de tudo, de meus desejos e sonhos e desafios, de meus medos, lembro do dilema que conheci lá no comecinho dessa jornada, no próprio seio daquilo cujo pavor absoluto me trouxe até aqui: “de que vale ao homem ganhar o mundo e perder a sua alma”?

Texto de Aline Arroxelas no blog "Mas como eu ia dizendo"

fevereiro